30 de março de 2010

ENTRE ASPAS


Os imorais se chocam por nós, / Por nosso brilho, nosso estilo / Nossos lençóis. / Mas um dia, eu sei, a casa cai / E então a moral da história / Vai estar sempre na glória de fazermos / O que nos satisfaz...

(Z. Duncan)






Sou professora e vou morrer professora. Sou pensadora. O que não faz nem nunca fará de mim um ser celestial.

SEI LÁ

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
 
[Fernando Pessoa - ODES DE RICARDO REIS]
















10 de março de 2010

A "XAVE" DA GRAMÁTICA




Foi diante de 50 ou 60 passageiros de um trem metropolitano (boa parte de pé) que dois homens de idade, com grandes vincos no rosto, resolveram puxar uma conversa:

- Olha, tão dizendo que teu pai tá te esperando na Lapa, é melhor você ficar ligado
- Rapaz, isto aqui tem nota viu. Eu mostro se ele quiser desembrulhar o pacote.


O diálogo acima retratado envolve dois vendedores ambulantes de São Paulo que, por estarem trabalhando na clandestinidade, precisam cifrar a conversa para despistar a fiscalização (pai).



‘’Enquanto existirem grupos e classes, existirão também gírias e calão’’. Ariel Tacla, autor do Dicionário dos Marginais, justifica assim o motivo de sua obra, publicada no longínquo ano de 1981. Engenheiro e filólogo, ele aproveitou a aproximação que teve junto ao Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, do qual foi diretor, para reunir em livro uma amostra do rico jargão criado pelos detentos:

Desengoma a culatra esquerda daquele otário, que eu vou mandar ele de passage Tradução: Desabotoe o bolso traseiro da calça daquele sujeito,que eu vou lhe roubar a carteira, de passagem.

Solta essa grinfa, que dona Laura tá nas boca de carango. Tradução: Solta essa mulher que a polícia tá rondando de automóvel.


Ariel acredita que a gíria é uma espécie de caricatura do português ‘’padrão’’, criado e mantido pela elite. A fúria do preso se concentra na criação de novas palavras, expressões e significados sobre aquilo que a ele é imposto como a norma padrão da língua.

São nesses redutos, nos agrupamentos sociais à margem dos centros econômicos das grandes cidades lusófonas que a língua portuguesa respira, renasce e se expande. Mas o choque cultural com os homens de terno e gravata é inevitável. E aí que temos uma guerra, ou então uma treta: rola à vontade o preconceito cultural sobre a língua do pobre. Ele é subestimado, inferiorizado e taxado de burro e ignorante, pois ‘’menas coisas’’ está errado. ‘’É um assassinato à língua portuguesa’’, dizem eles.

Mesmo assim, os estudos lingüísticos mostram que a cultura popular sempre ganha, mas sempre precedida, é claro, de uma briga de foice. Pelo menos no Brasil, ‘’menos’’ será trocado por ‘’menas’’ (mesmo que o Word insista em grifar em vermelho) daqui há algum tempo. Mesmo com as chacotas na novela, das piadas nos humorísticos da TV e no sorriso irônico daquele colega da firma. A língua é patrimônio do povo, mesmo com todas as interferências políticas e econômicas que recaem sobre ela.

O escritor Guimarães Rosa, por exemplo, ao publicar sua mais famosa obra, ‘’Grande Sertão, Veredas’’, foi duramente combatido por alguns críticos reacionários por deturpar a língua portuguesa com termos do português utilizado nos rincões brasileiros. No entanto, o que temos hoje são estes mesmos críticos (com nomes diferentes , é verdade) colocando o escritor no mais alto altar da literatura em língua portuguesa. Nada mais tradicional no Brasil do que tratar, com tradicionalismo, a nossa flor do Lácio, inculta e bela.

Mexer no calo que já se acostumou com o sapato pode doer muito. Mas chega uma hora que é inevitável: ele terá de tirar o sapato e cheirar o xulé. Aí então ele vai ter de aprender que o odor ruim sentido pelo nariz dele pode ser um adocicado perfume francês para o resto povo. Rendido aos fatos, ele vai ter de aprender a fórmula do xulé , engarrafar o cheiro em finos frascos e mudar a noção de fedor de toda a sociedade.



A língua portuguesa passa todos os dias por este mesmo processo. Às vezes o problema não é o cheiro e sim o nariz...


e como está o seu nariz?!


3 de março de 2010

THE SMITHS

Para escutar bem ALTO.




Pergunta?



Loucuraaaaaa



PARA TE COMER MELHOR

 

Esta é de fato linda!

 

METONÍMIA

"Desconfie dos atalhos se estiver com pressa de ser feliz.
É mais rápido ir devagar."

Não sei de quem é...


Mas sou a própria Metonímia!


...


"Sabia também calar-se para não se perder em palavras" (CL)



ROUBEI PORQUE PARECE MEU



"Eu nunca fui uma moça bem-comportada. Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. (...) Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que quase me deixa exausta. Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. Eu sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar.... Eu acredito é em suspiros, mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente. Acredito em coisas sinceramente compartilhadas. Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo. Eu acredito em profundidades. E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos. São eles que me dão a dimensão do que sou."


 (M. de Queiroz)





Roubei porque parece meu.



2 de março de 2010

PARA TE COMER MELHOR - MARTHA MEDEIROS

TIRE-O DA CABEÇA
14 de setembro de 1998


Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?

Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!

Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você.

Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta, mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na pista de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva.

Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.

Viajar. Quem vai na bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente.

Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai.

(Martha Medeiros)





INTERROMPENDO AS BUSCAS

ASSISTINDO AO ÓTIMO "CLOSER - Perto demais", me veio à lembrança um poema chamado "Salvação", de Nei Duclós, que tem um verso bonito que diz: "Nenhuma pessoa é lugar de repouso". Volta e meia este verso me persegue, e ele caiu como uma luva para a história que eu acompanhava dentro do cinema, em que quatro pessoas relacionam-se entre si e nunca se dão por satisfeitas, seguindo sempre em busca de algo que não sabem exatamente o que é. Não há interação com outros personagens ou com as questões banais da vida. É uma egotrip que não permite avanço, que não encontra uma saída - o que é irônico, pois o maior medo dos quatro é justamente a paralisia, precisam estar sempre em movimento. Eles certamente assinariam embaixo: nenhuma pessoa é lugar de repouso.

Apesar dos diálogos divertidos, é um filme triste. Seco. Uma mirada microscópica sobre o que o terceiro milênio tem a nos oferecer: um amplo leque de opções sexuais e descompromisso total com a eternidade - nada foi feito pra durar. Quem não estiver feliz, é só fazer a mala e bater a porta. Relações mais honestas, mais práticas e mais excitantes. Deveria parecer o paraíso, mas o fato é que saímos do cinema com um gosto amargo na boca.

Com o tempo, nos tornamos pessoas maduras, aprendemos a lidar com as nossas perdas e já não temos tantas ilusões. Sabemos que não iremos encontrar uma pessoa que, sozinha, conseguirá corresponder 100% a todas as nossas expectativas ¿ sexuais, afetivas e intelectuais. Os que não se conformam com isso adotam o rodízio e aproveitam a vida. Que bom, que maravilha, então deveriam sofrer menos, não? O problema é que ninguém é tão maduro a ponto de abrir mão do que lhe restou de inocência. Ainda dói trocar o romantismo pelo ceticismo, ainda guardamos resquícios dos contos de fada. Mesmo a vida lá fora flertando descaradamente conosco, nos seduzindo com propostas tipo "leve dois, pague um", também nos parece tentadora a idéia de contrariar o verso de Duclós e encontrar alguém que acalme nossa histeria e nos faça interromper as buscas.

Não há nada de errado em curtir a mansidão de um relacionamento que já não é apaixonante, mas que oferece em troca a benção da intimidade e do silêncio compartilhado, sem ninguém mais precisar se preocupar em mentir ou dizer a verdade. Quando se está há muitos anos com a mesma pessoa, há grande chance de ela conhecer bem você, já não é preciso ficar explicando a todo instante suas contradições, seus motivos, seus desejos. Economiza-se muito em palavras, os gestos falam por si. Quer coisa melhor do que poder ficar quieto ao lado de alguém, sem que nenhum dos dois se atrapalhe com isso?

Longas relações conseguem atravessar a fronteira do estranhamento, um vira pátria do outro. Amizade com sexo também é um jeito legítimo de se relacionar, mesmo não sendo bem encarado pelos caçadores de emoções. Não é pela ansiedade que se mede a grandeza de um sentimento. Sentar, ambos, de frente pra lua, havendo lua, ou de frente pra chuva, havendo chuva, e juntos fazerem um brinde com as taças, contenham elas vinho ou café, a isso chama-se trégua. Uma relação calma entre duas pessoas que, sem se preocuparem em ser modernos ou eternos, fizeram um do outro seu lugar de repouso. Preguiça de voltar à ativa? Muitas vezes, é. Mas também, vá saber, pode ser amor.



(Martha Medeiros)


Minhas Vogais e Consoantes são Altamente Inflamáveis e Ardidas