Estou cega. Estou cega ou estou num quarto escuro. Estou num quarto escuro sem paredes nem janelas nem porta nem cama onde me esconder por baixo como quando tinha cinco anos e me descobriam mais uma diabrura. Estou a sonhar, sim. É um pesadelo, pois. E é então que o mundo me foge, o chão fica escorregadio, o mundo é um tapete que me estão a puxar por baixo dos pés. A minha respiração sugada para dentro. Sobressalto, é assim que se chama. Quero fugir, quero fugir pelo pouco mundo que ainda me resta, quero encontrar um cantinho perdido que chegue para o meu corpo onde me possa abandonar. Um último bocadinho de mundo, um último cantinho onde possa ser. Quanto mais corro, mais me sinto a cair a escorregar neste resto de mundo-tapete-rolante-manteiga que se desfaz mais rápido que o desespero das minhas pequenas pernas. As minhas mãos, loucas, teimosas, resistem – não quero cair! –, agarram tudo em volta, mas tudo se desfaz, puxo tudo para o fim comigo, tudo se estilhaça a meus pés. Minhas certezas, porcelana estilhaçada. Estendo as mãos para as prateleiras, sorrisos, palmadinhas nas costas, elogios, o meu nome pelos escaparates. Amigos antigos que nunca me falharam. Tudo cai a meus pés, tudo perdeu a força que parecia imortal, tudo se cansou de esperar por mim, de esperar por mais. E sou puxada do vazio, vem a vertigem do chão, seduz-me desistir, seduz-me o fim. Olho para baixo, o mundo é um tapete colorido abstracto que braços sem corpo puxam, o tapete rasga-se em gargalhadas e cospe fotografias minhas que dançam e se riem à minha volta, fico de pés descalços, nus, frios no chão impiedoso. Os joelhos fracos de tudo acabam por ceder ao chão, abandono-me ao fim, o meu corpo relaxa, suspira, chega, pronto. Rendo-me ao mundo que entretanto me deu tréguas, parou. Silêncio. Agora levanta-te, vá. Ok, eu sei. Não queres.
Letras Soltas
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