Ouvindo Palavras ao Vento.
Mergulhar a palavra suja em água sanitária, e depois de dois dias de molho
quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras, quando são alvejadas ao sol,
adquirem consistência de certeza, como, por exemplo, a palavra vida. Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas e
desgastadas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra
e depois enxaguar em água corrente. São poucas as palavras que resistem a esses
cuidados, mas sempre existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram
sujeiras difíceis, mas toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão. Eu nunca vi palavra
tão suja quanto perda; perda e morte, na
medida em que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo que atende pelo nome de
amargura, que é capaz de esvaziar o vigor
da língua. O conselho nesse caso é mantê-las de molho num amaciante de boa
qualidade.
Mas se o que você quer é só aliviar as palavras do uso diário,
pode usar sabão em pó e máquina de lavar. O perigo é misturar palavras que
mancham no contato umas com as outras. Culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra, e
deve sempre ser alvejada sozinha. Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo. Desejo é uma palavra intensa
e pode, o que não é evitável, esgarçar a força delicada da palavra
amizade.
É importante não lavar demais as palavras sob o risco de
perderem o sentido. Aquela sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz
uma oleosidade que dá vigor aos sons.
Muito importante na arte de lavar
palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Conviva com as palavras durante
alguns dias, deixe que se misturem em seus gestos e que passeiem pela expressão
de seus sentidos. À noite, permita que se deitem não ao seu lado, mas sobre o
seu corpo. Enquanto você dorme a palavra plantada em sua carne prolifera em toda
a sua possibilidade.
Se você puder suportar essa convivência até não mais
perceber a presença dela, aí você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
(Vivane Mose)