Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra. As pessoas até se irritavam, irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio de seu peito, com aquela menina explicando o tempo todo o que a população inteira já sabia. Quando ela se dava conta, todo mundo tinha ido embora. Então ela ficava lá, explicando, sozinha.
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Solidão é uma ilha com saudade de barco. Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue. Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo. Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco. Pouco é menos da metade. Muito é quando os dedos da mão não são suficientes. Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça. Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego. Agonia é quando o maestro de você se perde completamente. Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento. Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa. Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára. Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido. Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista. Renúncia é um não que não queria ser ele. Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe. Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora. Orgulho é uma guarita entre você e o da frente. Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja. Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente. Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento. Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado. Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes. Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração. Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro. Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma. Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros. Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho. Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia. Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia. Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo. Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo. Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa. Desatino é um desataque de prudência. Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo. Lucidez é um acesso de loucura ao contrário. Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato. Emoção é um tango que ainda não foi feito. Ainda é quando a vontade está no meio do caminho. Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele. Desejo é uma boca com sede. Paixão é quando apesar da placa "perigo" o desejo vai e entra. Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a Menina.
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PARA TE COMER MELHOR: Cecília Meireles
SONHOS DA MENINA
"A flor com que a menina sonha está no sonho?
Ou na fronha?
Sonho risonho:
O vento sozinho
No seu carrinho.
De que tamanho seria o rebanho?
A vizinha
Apanha
A sombrinha de teia de aranha . . .
Na lua há um ninho
de passarinho.
A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho?
Ou a lua da fronha?"
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PALAVRAS AO VENTO
A primeira letra do alfabeto é também a primeira letra da palavra amor e se acha importantíssima por isso! Com A se escreve "arrependimento" que é uma inútil vontade de pedir ao tempo para voltar atrás e com A se dá o tipo de tchau mais triste que existe: "adeus"... Ah, é com A que se faz "abracadabra", palavra que se diz capaz de transformar sapo em príncipe e vice-versa...
Com B se diz "belo" - que é tudo que faz os olhos pensarem ser coração; e se dá a "bênção", um sim que pretende dar sorte.
Com C, "calendário", que é onde moram os dias e o "carnaval", esta oportunidade praticamente obrigatória de ser feliz com data marcada. "Civilizado" é quem já aprendeu a cantar ´parabéns pra você` e sabe o que é "contrato": "você isso, eu aquilo, com assinatura embaixo".
Com D , se chega à "dedução", o caminho entre o "se" e o "então"... Com D começa "defeito", que é cada pedacinho que falta para se chegar à perfeição e se pede "desculpa", uma palavra que pretende ser beijo.
E tem o E de "efêmero", quando o eterno passa logo; de "escuridão", que é o resto da noite, se alguém recortar as estrelas; e "emoção", um tango que ainda não foi feito. E tem também "eba!", uma forma de agradecimento muito utilizada por quem ganhou um pirulito, por exemplo...
F é para "fantasia", qualquer tipo de "já pensou se fosse assim?"; "fábula", uma história que poderia ter acontecido de verdade, se a verdade fosse um pouco mais maluca; e "fé", que é toda certeza que dispensa provas.
A sétima letra do alfabeto é G, que fica irritadíssima quando a confundem com o J. G, de "grade", que serve para prender todo mundo - uns dentro, outros fora; G de "goleiro", alguém em quem se pode botar a culpa do gol; G de "gente": carne, osso, alma e sentimento, tudo isso ao mesmo tempo.
Depois vem o H de "história": quando todas as palavras do dicionário ficam à disposição de quem quiser contar qualquer coisa que tenha acontecido ou sido inventada.
O I de "idade", aquilo que você tem certeza que vai ganhar de aniversário, queira ou não queira.
J de "janela!, por onde entra tudo que é lá fora e de "jasmim", que tem a sorte de ser flor e ainda tem a graça de se chamar assim.
L de "lá", onde a gente fica pensando se está melhor ou pior do que aqui; de "lágrima", sumo que sai pelos olhos quando se espreme o coração, e de "loucura", coisa que quem não tem só pode ser completamente louco.
M de "madrugada", quando vivem os sonhos...
N de "noiva", moça que geralmente usa branco por fora e vermelho por dentro.
O de "óbvio", não precisa explicar...
P de "pecado", algo que os homens inventaram e então inventaram que foi Deus que inventou.
Q, tudo que tem um não sei quê de não sei quê.
E R, de "rebolar", o que se tem que fazer pra chegar lá.
S é de "sagrado", tudo o que combina com uma cantata de Bach; de "segredo", aquilo que você está louco pra contar; de "sexo": quando o beijo é maior que a boca.
T é de "talvez", resposta pior que ´não`, uma vez que ainda deixa, meio bamba, uma esperança... De "tanto", um muito que até ficou tonto... De "testemunha": quem por sorte ou por azar, não estava em outro lugar.
U de "ui", um ài" que ainda é arrepio; de "último", que anuncia o começo de outra coisa; e de "único": tudo que, pela facilidade de virar nenhum, pede cuidado.
Vem o V, de "vazio", um termo injusto com a palavra nada; de "volúvel", uma pessoa que ora quer o que quer, ora quer o que querem que ela queira.
E chegamos ao X, uma incógnita... X de "xingamento", que é uma palavra ou frase destinada a acabar com a alegria de alguém; e de "xô", única palavra do dicionário das aves traduzida para o português.
Z é a última letra do alfabeto, que alcançou a glória quando foi usada pelo Zorro... Z de "zaga", algo que serve para o goleiro não se sentir o único culpado; de "zebra", quando você esperava liso e veio listrado; e de "zíper", fecho que precisa de um bom motivo pra ser aberto; e de "zureta", que é como fica a cabeça da gente ao final de um dicionário inteiro.
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Adriana Falcão
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