Fechei as luzes há umas horas atrás, não sei quanto tempo passou entretanto. Lembro-me que tinha frio, e foi esse frio que me fez esquecer a luz e cerrar os olhos até ver o escuro mais escuro que eu sabia ser capaz. Encolhi o corpo e deixei-me escorregar pela parede abaixo até ficar sentada no chão. Com as pernas dobradas, abraçadas pelos braços, parei de tremer. Cantei aquelas canções que me cantavam no infantário na hora da sesta, aqueci o corpo todo com o vapor quente que saía com as palavras e deixei de sentir frio. Bateram à porta, não me mexi. Tive medo de ter frio com o ar que vem sempre contra mim quando sigo os pés em passadas. Deixei-me ficar agarrada ás pernas, cantei mais alto e mais alto até deixar de ser perceptível o som daquela mão na madeira da porta. Cantei, cantei, cantei cada vez mais alto: “era uma casa muito engraçada”…cantei até não suportar a minha voz já metamorfoseada em gritos de desespero: “NÃO TINHA TECTO…” - num sufoco de frio e de medo. E cantava, e já não cantava porque ninguém canta assim… ninguém canta quando não se consegue ouvir: “NÃO TINHA NADA!”
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Não desistia, já nem conseguia controlar o tom esganiçado, não distinguia a minha voz dos gritos da alma que fiz sempre por calar. Repetia incessantemente a mesma canção, cada vez mais alto, cada vez mais incontrolável… Acho que deixei, a determinada altura, de cantar palavras. Cheguei a um ponto em que só era capaz de cuspir sons descomprometidos com qualquer significado. Gritei até não poder mais…gritei, gritei, gritei, GRITEI…até…. (Silêncio). Como o interruptor que se desliga num toque e fica escuro. Silêncio profundo. Fiquei sem voz. Pior, fiquei sem som. Deixei de falar para fora. Deixei de ouvir para dentro. Fiquei afónica de sentidos num instante apenas…como o interruptor que se desliga num toque e fica escuro. Não oiço baterem à porta. Não oiço nada, nem a música que talvez ainda esteja a cantar, mas que não sei onde. Perdi a voz das coisas todas e não sei quando. Já não sei quando é que ouvi a minha voz pela última vez…apetecia-me lembrar dessas coisas todas que agora não falam mais. Como eu queria que batessem à porta, que dissessem para não cantar tão alto, que as pernas ainda me tremessem e que eu tivesse medo do frio. Como eu queria. Tocaram-lhe no ombro, devagar. Tinha os olhos enrugados pela força que os fechou, e tinha uma lágrima presa que ameaçava cair. Abriu-os num instante e em tom assustado só conseguiu perguntar: -Passa-se alguma coisa lá fora? -Passa-se…amanheceu…
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do meu grito dourado
afinado
desejado
sai um vento
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que cruza águas salgadas
de lágrimas e oceano
e leva o doce som do teu nome...
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